sexta-feira, 27 de julho de 2007

Através da Janela

Foi embora sem ao menos recolher as roupas jogadas em cima do sofá, e sem olhar para traz num último e decisivo instinto de adeus, saiu pela porta tomando o cuidado de trancá-la por fora.

Uma forte sensação de quem esquece algo lhe perturbou, mas não se atreveu a voltar, sentindo um enorme vazio, como se os pés não acompanhassem seus passos, ou o chão andasse adiante de seus pés.

Antes de sair pelo portão, não resistiu ao sentimento avassalador de voltar os olhos uma última vez em todo o seu passado, e olhou pelo vidro da janela lateral tudo que acabara de deixar para traz:
Durante cinco minutos que lhe pareceu muitas horas, ela fitou a cômoda onde estavam os porta-retratos contando toda sua história. Reparou na arrumação da sala e relembrou como se acomodava no sofá encostando a cabeça no ombro de seu pai e no quarto, pela porta que estava aberta, observou a cama onde durante tantos anos brincou, conversou e até chorou acompanhada de amigas.

Por uma fresta pequena na porta da cozinha lembrou de como gostava de preparar receitas diferentes aos domingos, e ficou emocionada, porque sabia que não havia mais espaço em sua vida para reviver a saudade, porque o tempo não permite a volta de tudo o que já foi. Encostou o rosto no vidro, na esperança de capturar algo mais, e então, se viu sentada em uma cadeira com os cotovelos escorados na mesa. Levou um grande susto quando conheceu seu grande amor, sentado ao seu lado.

Não estava sonhando.

Atônita, arregalou os olhos no intuito de enxergar melhor e notou que as fotografias mudavam de cor e posição conforme suas emoções fluíam.

Foi então que sentiu nas possíveis visões que acabara de presenciar, seu desleixo e perplexidade diante da saudade que não lhe perseguia, mas a coragem de viver os acontecimentos sem se esquivar e sem desistir, havia há muito tempo fugido de seu alcance.

Percebeu que não estava indo embora e nem sequer havia deixado alguma coisa para traz.

Durante todo o tempo esteve sempre do lado de fora, a olhar sua própria vida passar, se escondendo através do vidro embaçado da janela.

Era um fantasma de sua própria existência

Ainda chocada diante da terrível descoberta, desceu as escadas e seguiu pela rua escura, aos prantos.